Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa de forças!
Terça-feira, 30 de Agosto de 2005
Excursão a Zamora
Desde 1972 (concretamente desde a minha viagem de curso) que não fazia um passeio turístico de camioneta.
Este ano estive a ponderar entre uma viagem em viatura própria ou em autocarro turístico e concluí que:
- A minha carripana está com oito anos e pode dar alguns contratempos.
- Ainda por cima nem ar condicionado tem.
Num auto-pullman, por outro lado,
- Não me chateio nem canso a conduzir.
- Não me engano no percurso como é meu hábito.
- Posso apreciar as paisagens.
- Se tiver soninho, estou à vontade para dormir, sem cair por uma ribanceira abaixo.
- Tenho ar condicionado.
- Se a mulher amuar tenho mais pessoas com quem falar.
- Não tenho de andar a fazer marcações de hotéis que nem sei onde ficam nem como são.
- Não tenho de andar a escolher locais para comer e esperar desesperado para pagar no fim.
- O organizador faz marcações de hotéis, restaurante, pagamentos e muito mais.
- O transportador leva-me aos sítios mais interessantes sem erros ou grandes hesitações; o mesmo para o hotel.
- Não tenho problemas de estacionamento.
- Posso beber álcool às refeições sem a preocupação do teste do balão.
- A probabilidade de acidente é menor (e se houver algum, os ligeiros é que costumam ficar por baixo dos auto-pullman), embora os rails de protecção sejam bastante menos eficazes para um pesado, diga-se.
- Permite conhecer outras pessoas (entre vários companheiros de viagem haverá pelo menos alguns que serão pessoas interessantes).
Depois de tantos argumentos a favor do transporte colectivo rodoviário, aos que acresce o de já não ter pachorra para fazer longas quilometragens a conduzir, decidi:
Este ano vou fazer um passeio de autocarro.
Falei no assunto à minha mulher. Não se mostrou muito entusiasmada pois imaginou logo uma data de outros passageiros de garrafão de cinco litros ao lado e a banquetearem-se com uns nacos de presunto e chouriço dentro do carro. Fui-lhe dizendo que não era bem assim, que mais isto, que mais aquilo, mas continuava renitente.
Pronto!
Puxei dos meus galões de machista e disse:
- Olha! Eu vou! Se não quiseres vir não vens. Até pode ser que apareça alguma passageira interessante e eu estou de mãos livres.
E estes argumentos costumam ser os mais convincentes.
Disse que sim. Um tanto contrariada, mas aceitou a solução que, como puderam constatar, foi tomada da forma mais democrática possível.
Depois foi escolher qual a viagem a fazer:
Acabamos por optar por um
tour de dois dias, com dormida em Zamora.
Pouco tempo, pois para a minha senhora era um teste, acima de tudo.
Esta cidade de cerca de 70.000 habitantes, não é seguramente das mais importantes da Espanha actual. Mas foi lá que, em 1143, D. Afonso Henriques e D. Afonso VII, rei de Castela e Leão, se encontraram e assinaram o tratado de Zamora pelo qual o nosso primeiro rei, na prática, se torna isso mesmo, pois deixava de prestar vassalagem ao seu primo. E como estava presente um emissário do papa Inocêncio II, houve um compromisso de Afonso Henriques em se tornar somente obediente ao papado. De facto, parece que o rei português não cumpriu à risca o seu compromisso em relação ao sucessor de S. Pedro, o que originou um atraso de trinta e seis anos até o diferendo estar resolvido e o infante se tornar efectivamente rei de Portugal, reconhecido pelo Vaticano.
Enfim! Não sei se foi exactamente assim, mas é o tratado de Zamora quem marca, oficialmente, a fundação do reino de Portugal.
Depois de vos fazer engolir esta pastilha de cultura, voltemos à viagem.

Partimos no sábado, bem cedo, da baixa portuense e fomos parando sucessivamente em Vila Real (como é lindo atravessar o Marão), Macedo de Cavaleiros, Mogadouro (onde almoçamos uma razoavelmente rija posta mirandesa), atravessando portanto a rota do azeite. A paisagem era constituída por imensos olivais, embora houvesse também amendoeiras (não estavam em flor, como é natural), sobreiros, azinheiras, medronho e outras árvores. Pinheiros e eucaliptos eram raros depois do Marão, pelo que não havia sinais de incêndios florestais. Atravessamos o Douro internacional na Barragem da Bemposta e entramos em Castilla y Leon tendo feito uma rápida visita a Formoselle, pequena cidade também bastante arcaica. Aliás, tudo nessa região espanhola cheira a antigo. Desde a configuração plana e seca do terreno aos monumentos, milenares ou pouco menos do que isso.
Chegamos a Zamora a meio da tarde.
Depois das costumeiras acções de alojamento num razoável hotel de três estrelas, fomos dar uma passeata pela zona histórica da cidade, em pequenos grupos. Eu e a minha mulher fomos sós. Plaza Mayor, margens do rio Douro, algumas igrejas como a da Magdalena ou a de S. Ildefonso, foram alguns dos locais visitados. Ainda pretendíamos ver o principal monumento da cidade, a Sé, mas as pernas já diziam que não senhor, muito obrigado.
Recolhidos ao alojamento, tomamos um refrescante banho, fomos até uma esplanada junto ao hotel tomar uma bebida fresquinha e, finalmente, lá jantamos. A comida era boa, mas os empregados eram arrogantes e não nos tratavam com a atenção que é habitual em Portugal. Acho que os espanhóis (os castelhanos, pelo menos) estão a ficar com a mania de que são os melhores do mundo. Posteriormente tive oportunidade de confirmar isso. Não gostei!
No dia seguinte, bem cedo, como tem de ser neste tipo de viagem, arrancamos para Benavente. Depois fomos ao local mais interessante que visitamos (na minha opinião, obviamente): Puebla de Sanabria, pequena povoação de 2.000 habitantes, com um bonito castelo no ponto mais alto, duas ou três interessantes igrejas, ruas estreitas com varandas cheias de vasos com flores e, talvez o mais especial, todos os telhados em ardósia bem negra que lhe davam um aspecto muito característico. Lá em baixo, a seus pés, corria o rio Tera.
Em toda esta região que atravessamos, zona essencialmente agrícola, a cultura predominante era a do trigo. Mas não faltavam a aveia e o girassol. Também gado ovino, caprino e bovino, pelo que a indústria de lacticínios estava presente.
Rumamos, então para o lago Sanabria, que se estendia ao longo de um vale glaciário. Como nos estávamos aproximando da Galiza, começou a aparecer vegetação mais frondosa (azinheiras, sobretudo) e, no horizonte, foram nascendo cada vez mais elevações de terreno. Quando chegamos ao lago já não existiam vestígios da paisagem seca e árida de Castela.
Depois, foi seguir para a antiga fronteira de Chaves. Perto dela, os vestígios de um grande incêndio florestal.
Naquela cidade portuguesa o calor era tremendo. Não é por acaso que das terras do nordeste se diz que tem três meses de inferno e nove de Inverno.
Seguimos depois para Amarante. Mas, pouco depois de Vila Pouca de Aguiar, e durante uma boa dezena de quilómetros, acompanhou-nos uma mancha com os restos negros do que teria sido um pavoroso fogo que queimou mesmo árvores encostadas aos muros dos pequenos quintais de várias habitações.
Finalmente regressamos ao Porto e depois a casa.
Não posso deixar de fazer uma referência aos 23 passageiros. Eram, pessoas da meia-idade para cima, reformados e, salvo um ou outro caso, com situação económica não muito desafogada. Mas pessoas educadas e, o que é muito importante nestes passeios, cumpridoras das regras, nomeadamente dos horários. Como é habitual num grupo humano, aparece sempre o animador, o contador de anedotas, o tipo que fala alto e atira piadas com propósito. Ele lá estava: o Celestino, com a mulher a rir-se enquanto o mandava calar.
Finalmente, quero dizer-vos que a minha dona adorou tudo isto e ficou freguesa. E mais! Já disse que para o ano quer ir passar uns cinco dias a Barcelona. E depois ainda dizem que homens machistas como eu é que mandam! Nota-se!

Este post não será, certamente, dos mais divertidos. Penso que será mesmo um tanto penoso de ler.
Mas também posso ser chatinho, não posso?

Pensei em ilustrá-lo com uma ou duas fotografias mas, ficaram todas tão mal, que não tive lata para colocar aqui nenhuma.
Alternativa:
Vão fazer a viagem ou usem a imaginação!


publicado por António às 14:44
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Quinta-feira, 25 de Agosto de 2005
Na Kaiserstrasse
Nota prévia:
Este texto baseia-se em mais um episódio da minha viagem de curso.
É o quinto desta série.
Antes, coloquei em exibição:
”A viagem de curso”em 13 MAI 05.
”As putas de Amsterdam” em 20 MAI 05.
”Em Paris” em 11 JUN 05.
“Um filme em Zurich” em 30 JUL 05. 
                                                                                                                                                           
No dia vinte e dois de Março de 1972, cedo como de costume, deixamos a cidade industrial de Ludwigshafen onde pernoitáramos duas noites e fizéramos uma visita de estudo à BASF, e rumamos a uma das mais importantes cidades da Alemanha (na altura só a ocidental, pois a reunificação dar-se-ia vários anos mais tarde) e da Europa:
Frankfurt.
Cidade moderna, com grandes arranha-céus e um bulício intenso, quer de viaturas quer de pessoas, não deixa de ser atraente. Sem importantes monumentos antigos, faz a compensação com o arrojo e vanguardismo de algumas soluções arquitectónicas.
Chegamos cedo pois, além de a distância ser curta, aquele país já tinha à época uma espectacular rede de auto-estradas. Além disso tínhamos de fazer uma outra visita de estudo: desta vez à Lurgi.
Por isso, mal terminamos as arrumações no hotel, fomos para a referida empresa onde demos uma rápida voltinha. A firma não era particularmente aliciante para ver, mas tínhamos de cumprir os mínimos por causa dos subsídios. Lá almoçamos e por volta das quatro da tarde já estávamos a abandonar o hotel. Tínhamos de aproveitar o resto do dia pois, na manhã seguinte, seguiríamos para Colónia (Koln).
E fomos saindo. Os rapazes que tinham namorada tiveram que gramar umas idas aos grandes armazéns e a shoppings (já os havia por lá, nesses tempos).
O meu amigo Jacinto (sempre ele) tinha trazido, entretanto, indicação para irmos ver um espectáculo numa casa chamada Bar Europa. Não sabíamos o que era, exactamente, mas as referências indicavam que se tratava de coisa muito adequada a homens,
Ficava numa transversal da Kaiserstrasse (rua do Imperador).
Esta rua larga e comprida nascia exactamente na Estação do Caminho-de-ferro (a que nós nos habituáramos a tratar pelo nome em alemão: bahnhof) e estendia-se à sua frente.
Não sei se já repararam que nas cidades portuárias, as “zonas” mais importantes de sexy-shops, cinemas porno, meretrícios e quejandos, se situam perto dos cais.
Nas cidades de interior, como Frankfurt, essas “zonas” localizam-se preferencialmente junto das estações dos caminhos-de-ferro.
Não é sempre assim, mas é-o a maior parte das vezes.
E lá fomos os dois, em busca da rua da perdição.
Perguntamos a um taxista que nos explicou e percebemos tudo facilmente. Também era perto e bom caminho. Por isso mesmo fomos a pé.
Ainda tínhamos um bom bocado da tarde e a noite para apreciarmos bem as últimas “modas” alemãs.
Os primeiros dois terços da rua eram normalíssimos.
Só na terceira parte (caminhando para a estação) é que começavam a aparecer as lojas, cinemas, bares e similares.
Fomos até ao final (ou início, se quiserem) da rua para fazer o primeiro reconhecimento do terreno.
Depois viemos para trás e começamos a fazer uma prospecção sistematizada das transversais.
Numa delas havia um bar que, por razão que não recordo, nos chamou a atenção. Parámos à sua porta e espreitamos lá para dentro para ver melhor de que tipo era. E um chulote qualquer começou a perguntar-nos, nas línguas respectivas, a nacionalidade: jugoslavos? turcos? espanhóis? brasileiros? e mais duas ou três. Fomos respondendo que não. Finalmente:
- Portugueses?
Respondemos afirmativamente.
E não querem saber que o homem nos mandou para a rua com maus modos?
Parece que alguns compatriotas nossos tinham feito estragos naquele meretrício.
Ainda se podia ver o sol. Continuamos a pesquisa.
A certa altura, noutra das transversais, deparamos com uma porta aberta. Por cima, um letreiro luminoso (embora apagado, no momento) tinha escrito: Paradise. Espreitamos pela porta e só víamos umas escadas que desciam para um piso inferior. O revestimento era todo a mosaico de cor azul clara. O aspecto geral era o de uma instalação nova. Como já estávamos escaldados, resolvemos dar uma olhadela por fora. Mais adiante havia uma porta e escadas semelhantes. Com uma diferença: A primeira dizia Eingang e a segunda Ausgang (entrada e saída, respectivamente).
Resolvemos entrar. Descemos as escadas e deparamo-nos com uma cave com as paredes todas revestidas a mosaico azul celeste e com algumas portas forradas a cabedal.
A área era enorme; talvez uns quarenta metros por vinte, talvez um pouco menos. E, nesse enorme átrio, dezenas de “meninas” em trajos sumaríssimos faziam trottoir. Eram quasi todas jovens e algumas lindas de morrer. Entre as prostitutas, andavam homens a apreciar e apreçar as pequenas. Quando chegavam a acordo, iam para uns quartinhos através das tais portas com couro.
Apreciada esta novidade, subimos e saímos.
Logo adiante, na esquina da rua principal com uma das que lhe eram perpendiculares, mas com entrada pela secundária, apareceu o letreiro: BAR EUROPA.
Era o que procurávamos.
Perguntamos a um velho porteiro se estava aberto. Respondeu que não.
- E quando é possível entrar?
- A partir das nove horas.
- E qual é o preço?
- Um marco – disse o homem.
Olhamos um para o outro. Oito escudos? Só?
- E não é preciso pagar mais nada? – interrogamos o sujeito.
- Sim, claro, o que beberem.
E mostrou-nos um cardápio com os preços que eram bastante baratos.
Entretanto perguntamos se podíamos dar uma espreitadela para o interior.
- Sim! As meninas estão a ensaiar – disse o simpático homem.
E espreitamos. Havia um palco ao fundo e, vestidas com uma espécie de fato de treino todo branco e muito justo, cinco ou seis mulheres ensaiavam colocando-se em posições um tanto heterodoxas.
- Já chega! – disse o guarda.

E terminou esta pequena conversa toda ela em inglês. Este idioma já se perfilava como o mais usado em todo o tipo de negócio em qualquer parte do mundo.
Feito este aparte, podemos dizer que o pouco que vimos aguçou-nos o apetite.
E continuamos o nosso passeio olhando para tudo aquilo com um ar de algum espanto.
A certa altura resolvemos ir ver um filme.
Era sessão contínua. Exibiam vários, uns a seguir aos outros, sem intervalo. O espectador entrava, ia vendo, e quando estivesse farto, saía.
Não demoramos muito tempo. O pedaço de filme que nos apareceu no écran era demasiado mau. Nem porno nem erótico. Uma merda.
Entretanto aproximava-se a hora de comer para depois ir ao show do Bar Europa.
Fizemo-lo tragando um hamburger, com mais cebola que carne e pão juntos, numa lojeca que tinha o balcão à face da rua.
Demos mais uma voltinha e ainda não eram nove horas já estávamos a comprar a entrada para o espectáculo do Europa.
Uma das empregadas vestindo, como as outras, um curtíssimo vestido preto e um avental branco rendado, indicou-nos uma mesa. Pedimos uma cerveja cada um. Vieram dois canecões que dariam para a noite inteira se o conteúdo não ficasse quente e portanto intragável.
E começou o espectáculo!
Eram seis raparigas que executavam vários números porno (não entravam todas no mesmo quadro: umas vezes eram duas, outras três, outras quatro...).
Meu Deus!
Nunca tinha visto daquilo!
Elas exibiam-se total e despudoradamente para uma assistência quasi totalmente masculina.
E quando uma delas resolve pegar numa longa boquilha e tirar umas fumaças vaginais fazendo rodelas de fumo, os espectadores aplaudiram delirantemente e em pé tão notável feito.
Também aparecia, de vez em quando, um artista com aspecto de australopiteco que deveria usar da sua virilidade para ajudar o desempenho das actrizes mas o homem devia andar a trabalhar muito pois a fraca actuação do seu falo deixou o público fulo.
E estivemos naquilo até à uma da manhã.
Mas o gozo maior foi quando contamos a aventura na Kaiserstrasse aos nossos colegas. Alguns decidiram que da próxima iriam comigo e com o Jacinto.
E dois deles foram: em Amsterdam.


publicado por António às 19:33
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Segunda-feira, 22 de Agosto de 2005
Miguel Ângelo (a casa de Barcelinhos)

Quando iniciei a feitura deste blog decidi que só teria texto. Nem fotografias, nem músicas. Mais nada!
Mas hoje vou quebrar esse princípio.
A amiga Guevara do "Guerrilhas", a meu pedido, fez uma série de fotos da casa de Barcelinhos onde nasceu o meu bisavô Miguel Ângelo Pereira. E fez tudo num ápice.
Muito obrigado, minha querida amiga!
Seleccionei três dessas fotos para aqui colocar.
Peço especial atenção à terceira. Já serviu para rectificar a data de nascimento que constava do dicionário enciclopédico da Lello. É 1843 e não 1847. Alíás confirmado pelo artigo do Diário do Norte que referi no post anterior.
Na pequena placa de mármore cujos dizeres são ilegíveis na fotografia, está escrito o seguinte:


"Homenagem do Orfeão Universitário do Porto 1-9-1944"


Mais um obrigado à Guevara que foi quem fez a leitura in loco.
Penso que fiz bem em colocar estas imagens.
Enfim...às vezes é preciso subverter as regras, não é verdade?



publicado por António às 14:17
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Sexta-feira, 19 de Agosto de 2005
Miguel Ângelo Pereira
Hesitei bastante sobre se deveria escrever e exibir este texto.
Tem a ver com os meus antepassados e, se eles fossem vivos, provavelmente não gostariam de ter alguns aspectos da sua vida expostos aos olhos de todos.
Mas, acontecimentos recentes vieram ajudar-me a tomar uma decisão.
As pessoas e os nomes aqui referidos são absolutamente verídicos.



O que vou contar tem a ver com um dos ramos da minha família. O paterno.
Desde muito novo que encontrei grandes reservas em meu pai, Fernando, seus irmãos Manuel, Gilberto e António e ainda em minha avó e mãe deles Maria Luíza (e utilizo a grafia que constava no seu bilhete de identidade), para falarem da sua vida passada bem como dos seus outros parentes. Posso acrescentar que já todos faleceram.
Maria Luíza chamava-se, de seu nome completo, Maria Luíza Castilho Dias. E o nome do meu pai e dos três tios que referi tinham como apelidos Castilho Dias, também.
Um dia, ainda jovem, estava a manusear o bilhete de identidade do meu progenitor e verifiquei que era omisso em relação ao nome do meu avô. Sabia que ele era Américo e aquilo intrigou-me. Perguntei qual a causa daquela omissão. O meu pai deu uma desculpa esfarrapada qualquer. Só muito mais tarde, e não sei a que propósito, ele me desvendou, finalmente, alguns dos segredos do passado. Mas só alguns! Poucos!
O seu progenitor e meu avô, Américo Pereira, pianista profissional e filho de um compositor e também pianista portuense de nome Miguel Ângelo Pereira (este já eu conhecia; era muito falado lá em casa), casara com uma senhora cujo nome nunca soube. Tiveram vários filhos. Mas Américo, que era um homem sedutor e mulherengo, quando a mulher e alguns filhos foram infectados pela tuberculose, nos primórdios do sec. XX, iniciou uma ligação amorosa com a sua cunhada mais nova que, segundo vários depoimentos, fotografias que vi e por muito ter convivido com ela (faleceu em 1991 com noventa e sete anos de idade), era mulher de grande beleza. Era Maria Luíza, a minha querida avó Mimi e por este nome todos os netos a chamavam.
O envolvimento entre Américo, que na altura tinha pouco mais de quarenta anos, e Maria Luíza, que tinha dezanove, teve como primeiro contratempo uma gravidez. Quando a família da minha avó soube da situação, a pobre rapariga foi expulsa de casa, aliás de acordo com os critérios morais e sociais vigentes na época. E foi recolhida, não sei por quem, em Vila do Conde onde nasceu o meu tio Manuel.
Acabaram por ir viver juntos para uma vivenda na zona da Arrábida (casa que eu ainda conheci) tendo nascido ali os filhos Fernando e Gilberto.
Mas o meu avô era um homem muito ausente devido aos constantes compromissos profissionais que tinha, muitos dos quais no Brasil onde passava longos períodos.
E foi protelando, não sei se o casamento pois desconheço quando a sua primeira e legítima mulher faleceu, mas a assunção oficial da paternidade dos rapazinhos.
E isso nunca viria a acontecer pois entretanto faleceu no Rio de Janeiro, durante uma das tournées, com cinquenta e dois anos de idade. A minha avó, além dos três filhos criança, ficou ainda com um no ventre, o António, que foi o último a desaparecer de todos os personagens que referi, em Julho de 2004.
Como não eram pessoas de grande riqueza, os dois mais velhos, Manuel que já estudava no liceu e o meu pai que só tinha ainda concluído a terceira classe (tinha nove anos) foram lançados no mundo do trabalho. Gilberto foi educado por uns padrinhos mas acabou interno no asilo do Terço. Minha avó ficou a cuidar da casa e do bebé que entretanto nascera, em 1929, ano do falecimento do pai de seus filhos. Mais tarde arranjou um emprego que conservou até se reformar.
E pouco mais soube deste ramo da família. Conheci ainda uma irmã da minha avó, de nome Alzira e os seus dois filhos: Jaime e Lili (o nome correcto não lembro agora).
Nunca conheci e mal ouvi falar dos meios-irmãos de meu pai pois, se alguns morreram com a tísica, outros sobreviveram.
Torna-se agora mais compreensível o silêncio sobre muitos factos que, talvez por acordo entre eles, resolveram levar para a tumba.
E também se torna mais compreensível a minha dúvida em escrever e divulgar este texto.
Já fiz uma breve alusão ao meu bisavô, pai de Américo, a figura dessa linha familiar mais falada e muitas vezes referida, ainda que sem grandes pormenores. Era, sem dúvida, o nome maior e mais reverenciado:
Miguel Ângelo Pereira.
Dele diz o dicionário enciclopédico Lello Universal:
“PEREIRA (Miguel Ângelo), compositor português nascido em Barcelinhos (1843 – 1901), autor das óperas Eurico, Zaida, Avalanche, de música sinfónica, etc.”.
E um longo artigo, assinado por Eurico Thomaz de Lima e cuja primeira parte foi publicada no Diário do Norte de doze de Março de 1958 e a segunda no número de vinte e dois do mesmo mês, titulava:
“Miguel Ângelo Pereira – O maior músico português da segunda metade do sec. IXX morreu na pobreza e louco”. (afinal eu tenho a quem sair, estão a ver?).
A noção que eu sempre tive era a de que todo o espólio artístico do meu bisavô havia sido perdido. Cheguei, já homem, a escrever para o Círculo de Cultura Musical a pedir informações sobre o artista, mas nem resposta tive.
E o assunto estaria encerrado se o acaso não resolvesse fazer-nos umas das surpresas que lhe são tão habituais.

Já este blog havia sido criado quando, a trinta de Maio do ano corrente, recebi um e-mail de um sujeito que assinava José A. Nele me pedia para lhe telefonar ou dar o meu número de telefone. Vivia em Lisboa.
Liguei-lhe.
E que me disse ele?
Que, andando a ler alguns blogs, viu um comentário meu num deles (tenho quasi a certeza que era o “Guerrilhas” da Guevara) no qual que me referia ao meu bisavô Miguel Ângelo Pereira como tendo nascido em Barcelinhos, na margem esquerda do rio Cávado, mesmo junto à ponte velha que liga aquela freguesia à cidade de Barcelos. A Guevara que me perdoe a indiscrição mas eu escrevi isso porque ela é uma barcelense.
E disse-me mais, o senhor:
Que a sua sogra, senhora de setenta e seis anos de idade, também era bisneta do compositor. E que tinha algumas pautas com músicas do meu bisavô. E tinha mesmo pequenas gravações áudio de alguns excertos de peças dele.
Rejubilei, como devem calcular!
E ainda mais: que ele fora casado com uma senhora de quem tivera cinco filhos. Por ordem decrescente da idade, Artur, Rafael, Raul, Virgílio e Américo. Todos com o apelido Pereira. Todos músicos profissionais.
Uma importante informação que a senhora, descendente de Artur, me deu (pois no dia seguinte falei com ela pelo telefone) foi a de que uma tal Dr.ª Ana Maria Liberal a tinha contactado pois fizera um mestrado sobre a música na cidade do Porto na segunda metade do século XIX e tinha ficado fascinada com o talento e também com a importância que Miguel Ângelo havia tido na época. Completou dizendo que a tal doutora e musicóloga estava a doutorar-se e tinha escolhido como tema exactamente este compositor agora quasi esquecido.
Tendo obtido da bisneta de Miguel Ângelo o seu contacto telefónico, também para a doutora liguei. Ficou muito grata pois lhe faltavam elementos sobre o filho mais novo, o meu avô Américo, e eu estive a fornecer-lhe informações sobretudo ligadas aos seus descendestes.
Teceu os maiores elogios sobre o artista que, repetiu, a fascinava pela sua personalidade e talento. Afirmou mesmo que eu me podia orgulhar de ter um ascendente com uma enorme e decisiva influência no riquíssimo meio musical portuense dessa época. E confirmou que, embora muito do espólio artístico não tivesse paradeiro conhecido, havia ainda material, quer em papel quer em gravação (feita muito mais tarde, obviamente, e com intérpretes que desconheço).
Contou-me que a loucura teria sido originada pelo facto de a ópera Eurico, que ele considerava a sua obra-prima, ter tido pouco êxito, o que o deixou muito abalado e mais tarde o convertera em doente mental (provavelmente hoje, com um bom anti-depressivo, ficaria curado em poucos meses).
Disse-me ainda que o meu avô Américo não só fora um conceituado pianista como também compositor de reconhecidos méritos.
Como a tese de doutoramento terá de ficar pronta até Outubro ou Novembro do ano em curso, combinamos que depois me ofereceria um exemplar.
Consequentemente, vou aguardando que o trabalho fique concluído para, finalmente, descobrir muitos dos mistérios que, para mim, ainda estão por decifrar.
Depois, e em função do que vier mencionado nesse documento que considero já de grande valor, definirei o que fazer, nomeadamente para reabilitar a memória do meu ancestral.
Nos dias seguintes falei com a minha irmã e as minhas primas que ficaram também entusiasmadíssimas, como era de calcular. E também querem um exemplar da tese do doutoramento, claro!

Penso que a decisão de aqui divulgar os factos que tanto incomodaram os meus antepassados foi a mais correcta. Que me perdoem os falecidos. Mas estamos no campo da investigação histórica e, além disso, gostaria muito que o nome de Miguel Ângelo Pereira passasse a constar da galeria dos grandes compositores portugueses pois, ao que parece, o foi.
Lá para o final do ano espero voltar a este assunto.
Realmente, a vida reserva-nos cada surpresa!
Só para terminar:
Já repararam que se o meu avô tivesse perfilhado os filhos o meu nome seria, por exemplo, António Dias Pereira?

A título de nota de rodapé, devo dizer que dos descendentes de Américo nenhum mostrou aptidões para a música. Nomeadamente eu, a minha irmã e o meu filho estudamos piano mas, como se costuma dizer, não dávamos uma para a caixa.
Tenho pena!


publicado por António às 14:07
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Segunda-feira, 15 de Agosto de 2005
No norte de Itália
Quando escrevo sobre acontecimentos passados, recorro fundamentalmente ao que está retido na minha memória. Mas, procurando na maleta das recordações, na colecção das velhas fotografias, nos mapas geográficos, aparece sempre algum documento que ajuda a localizar os locais, a revisitar ruas e monumentos, a definir datas. E são preciosos auxiliares e revigorantes cerebrais.
Para o texto que se segue, bem procurei alguma ajuda, mas nada apareceu. Portanto, o que vos vou contar é baseado somente na memória. Espero que essa minha função intelectual ainda esteja a trabalhar bem!



Na Páscoa de 1977 logrei obter o meu primeiro emprego na indústria privada.
Foi na zona de Vizela, numa fábrica de revestimentos têxteis, isto é, telas ou malhas revestidas a plástico flexível, nomeadamente PVC e poliuretanos, originando couro artificial para vender em rolos e destinado a confeccionar napas para estofos e vestuário, marroquinaria e calçado, principalmente.
Exercia as funções de chefe do laboratório e uma das principais tarefas que me foram cometidas consistia no desenvolvimento de novos produtos. Trabalho muito interessante e que, quando bem sucedido, era bastante compensador (espiritualmente, já que materialmente tudo ficava na mesma).
Saí em 1979, também pela Páscoa, tendo cometido um dos maiores erros da minha vida. Ou talvez não. Mas isso agora pouco interessa.
No final da primavera de 1978, em Maio ou Junho, fui com um colega e meu chefe, o director de produção Eng. Américo, visitar durante dez dias (ida num domingo, regresso numa terça-feira) uma empresa congénere italiana com a qual tínhamos um acordo para apoio técnico. Como os frutos daí resultantes eram muito poucos, essa permanência de seis dias úteis na Flexa, talvez desse bom resultado.
Naturalmente que não vou aqui falar do que aconteceu durante as oito horas diárias dentro da fábrica, mas sim daquilo que fica mais bem guardado na memória, isto é, o que acontece durante o período de lazer.
Ficamos alojados num hotel de Gallarate, uma pequena mas moderna e activa cidade industrial da zona mais rica de Itália, a Lombardia. Fica situada a norte de Milão e a sul de Varese.
Como a nossa empresa estava com dificuldades financeiras (que anos mais tarde viria a ultrapassar), pôs-nos a dormir no mesmo quarto que, por infeliz acaso, só tinha uma cama. A situação não era muito simpática, mas como o Américo tinha sido meu colega de curso e estivera comigo em Luanda, na Marinha, encaramos o desconforto com umas piadas ajustadas ao facto, nomeadamente ao de dormirmos na mesma cama.
Como aquilo era uma visita de trabalho e bem cedo estava à porta do hotel uma carrinha para nos levar para a fábrica da Flexa, o mesmo acontecendo no regresso, só tínhamos livres uma meia hora antes do jantar e depois um pouco da noite porque, o mais tardar às onze, íamos para o quarto.
Para além de jantarmos quasi sempre umas pizzas ou sparghetti (foi aí que aprendi a comer esses tubos longos, fininhos e fugidios com colher e garfo), depois dávamos uma volta a pé pela zona circundante do hotel, onde havia dois jardins, até recolhermos a penates após uma passagem pelo bar para beber um
scotch potenciador do sono.
Numa dessas noites, após o jantar, passamos por duas moças italianas, talvez ainda teenagers, que deram umas risadinhas como quem quer dizer: “Venham daí!”. E nós fomos! O entendimento não foi fácil pois elas não pareciam ser muito instruídas, mas lá se foi mantendo uma conversinha mais ou menos sem pés nem cabeça. Quando elas disseram que iam para casa, nós continuamos a acompanhá-las com toda a calma. Se desse alguma coisa, muito bem. Se não desse, paciência.
Estava já completamente escuro quando as raparigas atravessaram um grande portão de ferro que dava acesso a um vasto átrio interior rodeado por habitações e lojas. Meteram-se num talho que ainda estava de portas abertas, apesar da hora. Nós também entramos para esse átrio apesar de muito mal iluminado. Resolvemos aguardar mais alguns minutos para ver se estava mesmo tudo perdido.
Eis que à porta da loja surge um corpulento vulto que o contra luz tornava negro, a vociferar coisas que não percebemos e com o braço direito levantado e brandindo um facalhão.

Parecia uma cena de um filme de terror!
Perante aquela imagem...ah, pernas para que vos quero?
Mesmo com pouca luminosidade, lá nos orientamos chegando em tempo record ao hotel.
Nessa noite os
whiskies foram duplos e sempre com um olho na porta de entrada.
Ainda agora pergunto a mim mesmo o que teria originado uma reacção tão agressiva por parte do italiano (o gajo devia ter vindo da Sicília!). Seria puro gozo? Talvez!

Quando chegou o fim-de-semana, resolvemos ir no sábado a Milão, de comboio. A estadia não deu para conhecer minimamente a cidade que me pareceu bastante moderna do ponto de vista arquitectónico.
Mas não pudemos deixar de ir ao Duomo conhecer um dos mais maravilhosos monumentos que jamais vi: a catedral. A Catedral de Milão. Construída numa rocha muito clara, penso que calcário, e com uma incontável quantidade de rendilhados no melhor estilo gótico. Demorou quinhentos anos a construir.
Mesmo ao lado, duas ruas cruzando-se em forma de cruz. Com construções antigas e de grande cunho artístico. E a particularidade de terem uma cobertura de vidro. Constituíam a Galleria Vittorio Emanuel onde pontificavam lojas com nomes famosos e produtos caríssimos.
Bem perto estava o famoso Teatro Scala, talvez a mais famosa opera house do mundo.
No domingo, partimos outra vez de Gallarate, dentro de um comboio que nos levou até ao bordo sul do Lago Maggiore (Maior, em português), na zona pré-alpina e já muito perto da Suiça. Magníficas paisagens que não fotografei porque não havia levado a máquina. Penso que Américo o fez. Um dia hei-de-lhe perguntar. É uma zona turística, que penso muito cara, sem edifícios modernos, tudo em estilos antigos mas muito bonitos. Não falo mais sobre o assunto porque de linhas arquitectónicas percebo tanto como de linhas de coser. Isto é, nada!

Foi essa a única vez que fui a Itália.
Espero um dia ir a Veneza.
Ir a Veneza e morrer…diz-se.


publicado por António às 10:08
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Quarta-feira, 10 de Agosto de 2005
No campo de trabalhos
Nos primeiros dias de Agosto de 1972, com 23 anos e nove contos de rei no bolso (dinheiro emprestado pelo meu pai para fazer face a eventuais despesas não previstas), uma mala pesada e a cabeça carregada de imaginação, voei para Londres onde passei uma noite.
Na manhã seguinte, e num dia que não consta dos meus registos, infelizmente, pois esta necessidade de me localizar no tempo e no espaço é quasi doentia, dirigi-me, de táxi, do hotelzinho tipo asilo para indigentes onde pernoitara, para a Liverpool Stress Station onde apanhei o comboio para March Station, duas horas afastada, já no Cambridgeshire.
Lá nos esperava (a mim e a muitos outros jovens de todo o mundo) um período de vinte e dois dias de trabalho no Friday Bridge Agricultural Camp, perto da cidadezinha de Wisbech, uns duzentos quilómetros para norte de Londres.
Durante a viagem travei conhecimento com uns portugueses e espanhóis, que viriam a ser meus parceiros habituais durante todo o período nesse antigo campo de concentração da segunda guerra mundial. Sim, porque os aliados também faziam prisioneiros e tinham de os meter em algum sítio.
Chegados a March, estava à nossa espera um autocarro que fez várias viagens da estação para o campo para transportar os “trabalhadores”. E uso esta palavra porque se nós, rapaziada jovem, encarava aquilo como um campo de férias onde se podia trabalhar e ganhar algum dinheiro, os responsáveis do Friday Bridge encaravam-nos como mão-de-obra em stock para suprir as necessidades da agricultura e indústria agrícola locais.
Uma vez no campo, deram-nos um folheto explicativo e uma prelecção.
Fiquei logo a saber que tínhamos de pagar uma série de coisas. Não gostei!
Além da zona de refeitórios, bar e a enorme sala de convívio, tudo no edifício central, velho mas restaurado, havia a vasta zona dos dormitórios (que era constituída por bangalôs). Uma parte para rapazes e outra para raparigas, separadas por uma rede de arame. Mas rapidamente os mais safados descobriram algumas passagens clandestinas através da cerca. Havia um número elevado de bangalôs (pois os utentes eram duzentos e tal, se a memória não me atraiçoa) e cada um deles tinha umas doze pequenas e desconfortáveis camas. Nada de armários. Umas prateleiras, uma pequena caixa para guardar objectos, uma cadeira para cada um. A roupa ficava dentro da mala ou a arejar na cadeira, sobre a cama ou em cima da bagagem. Luz directa quasi não havia e a indirecta chegava para ler um livro, mas de letras bem gordinhas.
Fui colocado num deles juntamente com alguns portugueses, mas também com os espanhóis do comboio e outros tipos de diferentes países.
No campo havia predominância de italianos. O raio dos tipos falavam alto e de forma arrogante e faziam uma tal barulheira que, rapidamente, se tornaram os mais detestados. Uma vez, um dos mais parlapatões irritou de tal modo um pacato e gigantesco alemão que este lhe deu um murro na trombeta que o fanfarrão voou, como nos filme. Delirante!
Mas havia gente de imensos países. Da Europa, principalmente, mesmo do leste europeu que ainda estava sob o jugo soviético.
Orientais também. Japoneses, claro, mas eram poucos.
Também brasileiros e de outros países da América Latina. Não me posso esquecer de uma bela morena argentina que tinha o interessante hábito de, durante a noite, escapulir-se para a zona do dormitório dos homens onde metia a cabecita debaixo da roupa da cama dos moços e oralisava um tratamento anti-stress.
Entretanto, foi lido e afixado o nome dos “operários” que iriam trabalhar no dia seguinte.
Não havia trabalho para todos, diariamente, por isso era preciso ter sorte ou engraxar os responsáveis do campo. Tive sorte. Chamaram logo o Mr. Dias (pronunciaram “daias” tendo eu reclamado, em vão, que era “dias”).
Lidas as instruções sobre o trabalho do dia seguinte, fomos jantar uma comida horrorosa feita à base de vegetais.
Depois, foi a altura de procurar uma miúda para meter conversa e ver o que dava. E não é que estavam já todas engatadas? Havia uma inglesa loira, gorda e com os dentes estragados que me fazia uns olhinhos, mas não me atraía muito e continuava esperançado em arranjar uma mais jeitosa. Mas essa noite, como as outras, acabei-a a beber uns copos e a conversar com a malta do costume, a quem se juntaria um grupo de três portuguesas.
Na manhã seguinte, bem cedo, lá fui para uma fábrica de enlatados vegetais (nomeadamente favas e ervilhas). Fui colocado junto de um tapete rolante que transportava esses vegetais ainda quentes e fumegantes da cozedura que haviam sofrido previamente em grandes panelões, tendo a tarefa de retirar com a mão os que tivessem um aspecto mais feio ou apodrecido. Coisa simples. Depois andei a transportar de um lado para outro uns bidões de ferro, mas vazios. Aquilo estava a correr bem! Perguntaram quem queria ficar a fazer horas extras. Voluntarizei-me.
Em suma: trabalhei doze horas mas ganhei uma boa maquia em libras.
E qual não é a minha surpresa quando, ao chegar ao campo, extenuado e cheio de sono, me dizem que estava de novo convocado para o dia seguinte. E para a mesma fábrica. Fui logo dormir.
De manhã, bem cedo, tomamos o pequeno-almoço e fomos transportados para o local de trabalho.
Mas desta vez não tive tanta sorte:
Os supervisors, que podemos traduzir por encarregados (prefiro esta designação à de supervisores), perante as tropas voluntárias, começaram a chamar com um dedo (naquele conhecido movimento repetitivo em que o indicador se dobra parecendo um anzol e se estica, repetidamente) a rapaziada – moças incluídas, claro – para as mais diversas tarefas. E não me ligavam nada.
Finalmente fizeram-me sinal e um dos mandões levou-me para cima de um palanque localizado mesmo no início de um dos tapetes rolantes de que já falei atrás. Deram-me uma pá e fiquei à espera.
Passados uns minutos, colocaram ao lado do tableau onde eu aguardava, um enorme penelão cheio de favas, fumegante. Tive de tirar os óculos pois ficaram, de imediato, embaciados.
E veio a ordem: alimentar, à pazada, o tapete com favas. Mas tinha de ser rápido para que a cobertura da tela transportadora pelas favas fosse contínua.
Ora reparem bem! Foram escolher para o trabalho mais pesado (era necessária uma força de braços muito grande para bem cumprir a tarefa) um dos mais baixos e leves do grupo.
Resultado?
Durante uns minutos a tarefa foi cumprida. Mas as forças foram faltando e cada vez era maior o intervalo entre as descargas das sementes. Os supervisors bem protestavam comigo, mas o resultado era cada vez pior. Cheguei ao limite com pequenos montinhos espaçados de uns dois metros.
Os chefes vociferavam mas, com o barulho, não percebia nada. Até que tomei uma decisão. Desci do palanque e disse:
- I wanna go away!
E tentei fazer-lhes ver que havendo uns “operários” com um corpanzil enorme, me deviam colocar noutra actividade. E não é que os pataratas disseram que não? Mandaram-me descansar e comer qualquer coisa para recuperar energias, os burros. Comi uma das horrorosas sandes de tomate e alface que trouxera do campo. Nunca gostei nem gosto de sandes de vegetais.
Ao fim de uns minutos puseram-me outra vez em cima do palanque. Nem três minutos lá fiquei.
Fui despedido!
Pagaram-me o tempo que lá tinha estado, uma ninharia, apanhei uma boleia na estrada e regressei ao campo onde finalmente dormi uma boa soneca.
E como os dias foram passando sem ser novamente convocado para trabalhar, juntamente com mais um ou dois ou três portugueses (ou os que quisessem alinhar), fomos percorrendo a região e as cidadezinhas à boleia.
Wisbech foi onde nos deslocamos mais vezes. Também era a mais próxima do campo e tinha uns pubs muito engraçados e com uma boa frequência. March, Hunstanton, Harwich e Peterborough foram outros dos destinos onde eu fui gastando a reserva de dinheiro que o meu pai me emprestara.
As noites eram passadas em cavaqueiras ou guitarradas bem divertidas, com os portugueses e alguns espanhóis. A malta do costume, afinal. E assim não fui praticando o inglês que era uma das finalidades desta minha permanência no Reino Unido.
Finalmente, ao fim de mais de uma semana sem ser escalado para o exterior, apareceu de novo o meu nome na lista dos “trabalhadores” escolhidos.
Desta vez o local era um pomar de ameixieiras.
A tarefa, trepar às árvores e encher um enorme cesto de vime com ameixas em bom estado de conservação. Mas totalmente cheio. Depois devíamos regressar ao local onde estavam os mandões, a colheita era pesada, despejada nuns camiões e partíamos novamente com o cesto já vazio.
E lá fui eu feito capuchinho vermelho de cestinha na mão até uma árvore. Pedi emprestado um escadote, fui enchendo o recipiente, mudei de árvore, mais ameixas lá para dentro e, pronto. Tudo cheio!
Quando tentei pegar no cesto para o levar à pesagem, nada! Não tinha força para o sustentar.
Pedi ajuda a alguns tipos mas a solidariedade não funcionou.
Resolvi, então retirar parte da carga. Quando verifiquei que já tinha músculo para o transportar, lá fui eu.
Chegado à pesagem, os encarregados viram o cesto meio vazio (eu via-o meio cheio) e mandaram-me para trás enchê-lo.
Voltei ao mesmo local! Novamente as ameixas para dentro e mais pedidos de ajuda, mas sem resultado.
Acabei por deixar cesto e fruta e fui-me embora.
Pelo menos desta vez não fui despedido. Antecipei-me!
E os dias continuaram como tinham sido até ali. Boa vida, umas passeatas e as divertidas noites de música e palavras.
Poucos dias antes de me vir embora, fui trabalhar para a fábrica dos enlatados. Dessa vez tudo correu bem e ganhei algum dinheirinho, que bom jeito dava pois as reservas estavam a desaparecer mais depressa do que eu desejaria.
Ao fim dos vinte e dois dias programados, fiz a viagem de regresso a Londres. Ainda por lá andei três dias, acompanhado por um dos patrícios do campo, até voar para o Porto.
Depois da chegada, dos beijos, dos abraços, das lágrimas da mamã, das perguntas e de tudo o mais que é habitual nestas ocasiões, interrogou-me o meu pai:
- Chegaste a usar algum do dinheiro que te emprestei?
- Gastei-o todo – respondi.
- Gastaste os nove contos todos?
- Sobraram uns trocos.
- Nove contos? Isso é muito dinheiro! – cogitou o meu pai com cara de chateado.
E rematou:
- Pronto, está bem! Está dada a prenda de formatura!
Lixei-me!


publicado por António às 18:41
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Segunda-feira, 8 de Agosto de 2005
Seis meses de vida
Pois é!
Este meu cantinho fez ontem, dia sete, seis meses de vida.

Meio ano!

Escrevi na introdução:
"Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa-de-forças!".

Procurando fazer um breve balanço, acho que ainda não é tempo de me mandarem a camisa-de-forças.
Escrevi cerca de setenta textos.
Os primeiros eram completamente insanes.
Depois fui tomando um rumo, naturalmente, como uma criança que vai crescendo e fazendo opções.
Actualmente, o "Eu sou louco!" é, sobretudo, um repositório de memórias do passado.
O que será no futuro?
Ainda não sei.
Mas espero continuar a escrever pois cada vez gosto mais de o fazer.
Quando acharem que isto não presta, avisem-me. Ou chamem a ambulância.
Não me deixem andar aqui a fazer figuras tristes.

Não posso deixar de aqui e agora fazer uma referência a todos os que me lêem, e sobretudo àqueles que, com o seu comentário, muitas vezes aparecendo em todos os textos de forma continuada, me tem dado o alento que é sempre necessário.
O meu obrigado!

Também não posso omitir que tenho conhecido aqui pessoas maravilhosas e talentosas.
Bendita a hora em que o meu amigo "frog" me meteu nestas andanças!

Até sempre!


publicado por António às 12:47
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Quinta-feira, 4 de Agosto de 2005
Fórmula 1 na Boavista
Teve lugar nos passados dias 8, 9 e 10 de Julho o Grande Prémio Histórico do Porto, organizado, entre outras entidades, pela Câmara Municipal.
Não fui assistir a corridas nem acompanhei de perto os pormenores do evento.
Penso que foi um acontecimento muito variado que teve como mote principal os Grandes Prémios de Fórmula 1 disputados no citadino circuito da Boavista nos anos de 1958 e 1960.

Como tive o privilégio de assistir a essas duas corridas que contavam para o campeonato do mundo de pilotos e construtores, não posso deixar de relembrar esses dias. Repito que contavam para o campeonato mundial, pois houve outras corridas desta classe superior que eram meramente particulares.
O circuito, perigosíssimo como muitos daquele tempo e nos mais variados países, tinha as boxes e a meta na marginal marítima, entre as praças da Cidade do Salvador e de Gonçalves Zarco (Castelo do Queijo). Os automóveis subiam a avenida da Boavista até virarem à esquerda para a avenida Dr. Antunes Guimarães. Iam pela rua do Lidador até à sinuosa Circunvalação (toda ela marginada por grossas árvores a dois ou três metros dos carros) e esta terminava na praça que citei inicialmente.
O primeiro destes “Grand Prix” teve lugar no dia vinte e quatro de Agosto de 1958.
O segundo a catorze do mesmo mês de 1960.
Eram domingos. Nos sábados anteriores disputaram-se os treinos.
A vinte e três de Agosto de 1969 realizou-se idêntica prova no circuito de Monsanto, em Lisboa., mas a esse não assisti.
Só muitos anos depois se voltariam a disputar corridas do mesmo nível mas então no autódromo do Estoril. Foram treze provas, de 1984 a 1996.

Apesar de só ter nove e onze anos, respectivamente, o meu pai fez questão de me levar a ambas as corridas.
Quer aos treinos de sábado, quer no domingo, o grande dia.
Em pleno Agosto, no pino do calor, colocados a meio da recta da avenida da Boavista, ponto onde os carros atingiam a máxima velocidade, com precárias condições de seguranças (ao bólidos passavam a sete ou oito metros da nossa posição, tendo como única protecção duas fileiras de fardos de palha paralelipipédicos, cada uma com dois sobrepostos), aguentando a pé firme sobre um passeio, com o programa das corridas na mão para leitura prévia e consulta durante a prova e o enorme entusiasmo de vermos correr os grandes nomes do que agora se chama o Circo da Fórmula 1. E algum nervoso, também. E se algum carro se despistasse e viesse para cima de nós? Pois não estaria agora a contar-vos essa inolvidável experiência.
As sensações foram semelhantes nos dois anos.
No início da corrida, com as máquinas todas juntas, não se conseguiu distinguir senão o que ia em primeiro. Em dois ou três segundos tinham passado todos os concorrentes. O ruído era ensurdecedor. O cheiro era intenso e estranho, mas agradável.
O meu pai apalpava as minhas mãos e dizia:
- Estás com suores frios. Tens medo?
- Não, não, papá! – mentia.
Passados alguns minutos começava a ouvir-se um ruído distante.
- Estás a ouvir? São eles. Vem aí outra vez! – dizia o meu pai, excitadíssimo.
E o barulho aumentava, aumentava e, de repente lá vinha outra vez o magote dos concorrentes. E o cheiro. E o barulho.
Com o decorrer da corrida o espaço entre os concorrentes foi aumentando. Alguns foram desistindo. Já se podiam identificar todos os corredores. E acompanhar volta a volta a luta pelos primeiros lugares e também por outras classificações entre os que tinham carros menos competitivos.
E a adrenalina tinha baixado o seu nível.
- Olha, olha, agora não passou o 32. Quem é? – perguntava o meu progenitor.
- É o português. O Mário Araújo Cabral. – respondia eu depois de consultar o cardápio.
- Esse é um pixote! – sentenciou o adulto.
- Oh! Agora não passou o vermelho! – exclamou o pai.
- É o Ferrari do Phil Hill, o 26 – avançava eu, já dominando o assunto.
Já perto do fim o importante era saber quem seria o vencedor.
Ganhou o Stirling Moss em 1958. Era o nosso ídolo: meu e do meu pai. Mas o campeão do mundo foi o Mike Hawthorn, em Ferrari. Ambos ingleses. Passados poucos meses de se sagrar campeão, o loiríssimo Mike morreria no meio de uma amálgama de ferros retorcidos num acidente de viação quando conduzia o seu Ferrari pessoal.
O Jack Brabham ganhou a corrida e o título mundial em 1960.
A volta de honra encerrava o espectáculo, com os três primeiros classificados empoleirados numa pequena camioneta de caixa aberta. O vencedor tinha à volta do pescoço uma enorme coroa de louros. Exibiam taças. Foram os últimos e mais fortes aplausos.
Depois, o regresso a pé até um local onde houvesse carros eléctricos para voltar a casa.
E os pilotos percorriam o mesmo caminho dos populares, conduzindo os bólidos em que haviam acelerado minutos antes. Lembro-me de ver o inglês Graham Hill, o seu fino bigode e o cabelo muito liso passar mesmo ao meu lado, no seu BRM em forma de charuto, como todos os outros bólidos da época, muito devagarinho. Haveria de ser campeão do mundo em 1962 e 1968. Morreria na queda de um pequeno avião em Novembro de 1975 quando, no meio de denso nevoeiro tentava aterrar num pequeno aeródromo perto de Londres. O seu filho Damon Hill seria também laureado em 1996.
Alguns nomes muito importantes da Fórmula 1 correram nestas provas:
Stirling Moss, o eterno segundo, inglês.
Mike Hawthorn, prematuramente desaparecido, inglês.
Jean Behra, o mais famoso piloto francês da época.
Wofgang von Trips, o conde alemão da Ferrari que morreria nas pistas sem ter sido campeão.
Jack Brabham, o australiano três vezes campeão do mundo e que agora veio ao Porto.
Graham Hill, o inglês cavalheiro, duas vezes triunfador.
Maria Teresa de Filippis, a italiana que foi a primeira mulher (e penso que a única) a competir na Fórmula 1.
Bruce McLaren, neozelandês.
Jim Clark, o inglês que foi o melhor por duas vezes e que morreu na pista de Hockenheim, numa prova de fórmula 2, em Abril de 1968. Muitos se recusaram a admitir que o despiste tivesse sido provocado por erro de condução, tal era a sua competência como piloto.
John Surtees, o inglês que veio das motos e ganhou um título.
Mário Araújo Cabral, o primeiro português a competir nesta fórmula.

Para terem uma ideia de como estávamos nos primórdios deste tipo de competição, não posso deixar de vos maçar com mais uns dados.
O primeiro campeonato do mundo disputou-se em 1950. O vencedor foi o italiano Nino Farina. Também ele venceu a primeira corrida desse ano, em Silverstone. Em 1952 e 1953 ganhou outro italiano: Alberto Ascari. E o mítico argentino Juan Manuel Fângio venceu por cinco vezes. O seu record só muito recentemente foi batido pelo alemão, ainda em actividade, Michael Schumacher, com sete vitórias.
Portanto, os dois Grandes Prémios a que assisti directamente, ao vivo como se começou a dizer mais tarde, foram o oitavo e o décimo.
Muita coisa mudou entretanto.
Vou só referir que em 1965 apareceu a correr um jovem escocês (campeão em 1969, 1971 e 1973) que, com a sua luta pela melhoria das condições de segurança das pistas e nos carros, contribuiu decisivamente para que hoje o número de pilotos mortos em corrida seja percentualmente muitíssimo menor do que o daquela época. O seu nome era e é: Jackie Stewart, o escocês voador.

Uma nota para referir que o Grande Prémio disputado em Monsanto foi ganho por Stirling Moss e Jack Brabham sagrou-se campeão nesse ano de 1959. Nessa corrida estreou-se Mário de Araújo Cabral.

Finalmente, não posso deixar de mencionar que além da Fórmula 1, havia corridas para viaturas menos potentes. E alguns pilotos nacionais batiam-se com os melhores estrangeiros.
Eis alguns nomes para a posteridade:
Joaquim Filipe Nogueira.
Casimiro de Oliveira (irmão do cineasta Manoel de Oliveira).
José Nogueira Pinto.
Manuel Nogueira Pinto.

Muito haveria para dizer.
Mas não é meu propósito contar aqui a história da Fórmula 1.
Talvez já tenha escrito demais.
Desculpem!
(apesar de que, quem não gostou não chegou até aqui, não é verdade?)


publicado por António às 15:05
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