Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa de forças!
Terça-feira, 30 de Agosto de 2005
Excursão a Zamora
Desde 1972 (concretamente desde a minha viagem de curso) que não fazia um passeio turístico de camioneta.
Este ano estive a ponderar entre uma viagem em viatura própria ou em autocarro turístico e concluí que:
- A minha carripana está com oito anos e pode dar alguns contratempos.
- Ainda por cima nem ar condicionado tem.
Num auto-pullman, por outro lado,
- Não me chateio nem canso a conduzir.
- Não me engano no percurso como é meu hábito.
- Posso apreciar as paisagens.
- Se tiver soninho, estou à vontade para dormir, sem cair por uma ribanceira abaixo.
- Tenho ar condicionado.
- Se a mulher amuar tenho mais pessoas com quem falar.
- Não tenho de andar a fazer marcações de hotéis que nem sei onde ficam nem como são.
- Não tenho de andar a escolher locais para comer e esperar desesperado para pagar no fim.
- O organizador faz marcações de hotéis, restaurante, pagamentos e muito mais.
- O transportador leva-me aos sítios mais interessantes sem erros ou grandes hesitações; o mesmo para o hotel.
- Não tenho problemas de estacionamento.
- Posso beber álcool às refeições sem a preocupação do teste do balão.
- A probabilidade de acidente é menor (e se houver algum, os ligeiros é que costumam ficar por baixo dos auto-pullman), embora os rails de protecção sejam bastante menos eficazes para um pesado, diga-se.
- Permite conhecer outras pessoas (entre vários companheiros de viagem haverá pelo menos alguns que serão pessoas interessantes).
Depois de tantos argumentos a favor do transporte colectivo rodoviário, aos que acresce o de já não ter pachorra para fazer longas quilometragens a conduzir, decidi:
Este ano vou fazer um passeio de autocarro.
Falei no assunto à minha mulher. Não se mostrou muito entusiasmada pois imaginou logo uma data de outros passageiros de garrafão de cinco litros ao lado e a banquetearem-se com uns nacos de presunto e chouriço dentro do carro. Fui-lhe dizendo que não era bem assim, que mais isto, que mais aquilo, mas continuava renitente.
Pronto!
Puxei dos meus galões de machista e disse:
- Olha! Eu vou! Se não quiseres vir não vens. Até pode ser que apareça alguma passageira interessante e eu estou de mãos livres.
E estes argumentos costumam ser os mais convincentes.
Disse que sim. Um tanto contrariada, mas aceitou a solução que, como puderam constatar, foi tomada da forma mais democrática possível.
Depois foi escolher qual a viagem a fazer:
Acabamos por optar por um
tour de dois dias, com dormida em Zamora.
Pouco tempo, pois para a minha senhora era um teste, acima de tudo.
Esta cidade de cerca de 70.000 habitantes, não é seguramente das mais importantes da Espanha actual. Mas foi lá que, em 1143, D. Afonso Henriques e D. Afonso VII, rei de Castela e Leão, se encontraram e assinaram o tratado de Zamora pelo qual o nosso primeiro rei, na prática, se torna isso mesmo, pois deixava de prestar vassalagem ao seu primo. E como estava presente um emissário do papa Inocêncio II, houve um compromisso de Afonso Henriques em se tornar somente obediente ao papado. De facto, parece que o rei português não cumpriu à risca o seu compromisso em relação ao sucessor de S. Pedro, o que originou um atraso de trinta e seis anos até o diferendo estar resolvido e o infante se tornar efectivamente rei de Portugal, reconhecido pelo Vaticano.
Enfim! Não sei se foi exactamente assim, mas é o tratado de Zamora quem marca, oficialmente, a fundação do reino de Portugal.
Depois de vos fazer engolir esta pastilha de cultura, voltemos à viagem.

Partimos no sábado, bem cedo, da baixa portuense e fomos parando sucessivamente em Vila Real (como é lindo atravessar o Marão), Macedo de Cavaleiros, Mogadouro (onde almoçamos uma razoavelmente rija posta mirandesa), atravessando portanto a rota do azeite. A paisagem era constituída por imensos olivais, embora houvesse também amendoeiras (não estavam em flor, como é natural), sobreiros, azinheiras, medronho e outras árvores. Pinheiros e eucaliptos eram raros depois do Marão, pelo que não havia sinais de incêndios florestais. Atravessamos o Douro internacional na Barragem da Bemposta e entramos em Castilla y Leon tendo feito uma rápida visita a Formoselle, pequena cidade também bastante arcaica. Aliás, tudo nessa região espanhola cheira a antigo. Desde a configuração plana e seca do terreno aos monumentos, milenares ou pouco menos do que isso.
Chegamos a Zamora a meio da tarde.
Depois das costumeiras acções de alojamento num razoável hotel de três estrelas, fomos dar uma passeata pela zona histórica da cidade, em pequenos grupos. Eu e a minha mulher fomos sós. Plaza Mayor, margens do rio Douro, algumas igrejas como a da Magdalena ou a de S. Ildefonso, foram alguns dos locais visitados. Ainda pretendíamos ver o principal monumento da cidade, a Sé, mas as pernas já diziam que não senhor, muito obrigado.
Recolhidos ao alojamento, tomamos um refrescante banho, fomos até uma esplanada junto ao hotel tomar uma bebida fresquinha e, finalmente, lá jantamos. A comida era boa, mas os empregados eram arrogantes e não nos tratavam com a atenção que é habitual em Portugal. Acho que os espanhóis (os castelhanos, pelo menos) estão a ficar com a mania de que são os melhores do mundo. Posteriormente tive oportunidade de confirmar isso. Não gostei!
No dia seguinte, bem cedo, como tem de ser neste tipo de viagem, arrancamos para Benavente. Depois fomos ao local mais interessante que visitamos (na minha opinião, obviamente): Puebla de Sanabria, pequena povoação de 2.000 habitantes, com um bonito castelo no ponto mais alto, duas ou três interessantes igrejas, ruas estreitas com varandas cheias de vasos com flores e, talvez o mais especial, todos os telhados em ardósia bem negra que lhe davam um aspecto muito característico. Lá em baixo, a seus pés, corria o rio Tera.
Em toda esta região que atravessamos, zona essencialmente agrícola, a cultura predominante era a do trigo. Mas não faltavam a aveia e o girassol. Também gado ovino, caprino e bovino, pelo que a indústria de lacticínios estava presente.
Rumamos, então para o lago Sanabria, que se estendia ao longo de um vale glaciário. Como nos estávamos aproximando da Galiza, começou a aparecer vegetação mais frondosa (azinheiras, sobretudo) e, no horizonte, foram nascendo cada vez mais elevações de terreno. Quando chegamos ao lago já não existiam vestígios da paisagem seca e árida de Castela.
Depois, foi seguir para a antiga fronteira de Chaves. Perto dela, os vestígios de um grande incêndio florestal.
Naquela cidade portuguesa o calor era tremendo. Não é por acaso que das terras do nordeste se diz que tem três meses de inferno e nove de Inverno.
Seguimos depois para Amarante. Mas, pouco depois de Vila Pouca de Aguiar, e durante uma boa dezena de quilómetros, acompanhou-nos uma mancha com os restos negros do que teria sido um pavoroso fogo que queimou mesmo árvores encostadas aos muros dos pequenos quintais de várias habitações.
Finalmente regressamos ao Porto e depois a casa.
Não posso deixar de fazer uma referência aos 23 passageiros. Eram, pessoas da meia-idade para cima, reformados e, salvo um ou outro caso, com situação económica não muito desafogada. Mas pessoas educadas e, o que é muito importante nestes passeios, cumpridoras das regras, nomeadamente dos horários. Como é habitual num grupo humano, aparece sempre o animador, o contador de anedotas, o tipo que fala alto e atira piadas com propósito. Ele lá estava: o Celestino, com a mulher a rir-se enquanto o mandava calar.
Finalmente, quero dizer-vos que a minha dona adorou tudo isto e ficou freguesa. E mais! Já disse que para o ano quer ir passar uns cinco dias a Barcelona. E depois ainda dizem que homens machistas como eu é que mandam! Nota-se!

Este post não será, certamente, dos mais divertidos. Penso que será mesmo um tanto penoso de ler.
Mas também posso ser chatinho, não posso?

Pensei em ilustrá-lo com uma ou duas fotografias mas, ficaram todas tão mal, que não tive lata para colocar aqui nenhuma.
Alternativa:
Vão fazer a viagem ou usem a imaginação!


publicado por António às 14:44
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