Irreverência, humor, criatividade, non-sense, ousadia, experimentalismo. Mas tudo pode aparecer aqui. E as coisas sérias também. O futuro dirá se valeu a pena...ou melhor seria ter estado quietinho, preso por uma camisa de forças!
Quinta-feira, 25 de Agosto de 2005
Na Kaiserstrasse
Nota prévia:
Este texto baseia-se em mais um episódio da minha viagem de curso.
É o quinto desta série.
Antes, coloquei em exibição:
”A viagem de curso”em 13 MAI 05.
”As putas de Amsterdam” em 20 MAI 05.
”Em Paris” em 11 JUN 05.
“Um filme em Zurich” em 30 JUL 05. 
                                                                                                                                                           
No dia vinte e dois de Março de 1972, cedo como de costume, deixamos a cidade industrial de Ludwigshafen onde pernoitáramos duas noites e fizéramos uma visita de estudo à BASF, e rumamos a uma das mais importantes cidades da Alemanha (na altura só a ocidental, pois a reunificação dar-se-ia vários anos mais tarde) e da Europa:
Frankfurt.
Cidade moderna, com grandes arranha-céus e um bulício intenso, quer de viaturas quer de pessoas, não deixa de ser atraente. Sem importantes monumentos antigos, faz a compensação com o arrojo e vanguardismo de algumas soluções arquitectónicas.
Chegamos cedo pois, além de a distância ser curta, aquele país já tinha à época uma espectacular rede de auto-estradas. Além disso tínhamos de fazer uma outra visita de estudo: desta vez à Lurgi.
Por isso, mal terminamos as arrumações no hotel, fomos para a referida empresa onde demos uma rápida voltinha. A firma não era particularmente aliciante para ver, mas tínhamos de cumprir os mínimos por causa dos subsídios. Lá almoçamos e por volta das quatro da tarde já estávamos a abandonar o hotel. Tínhamos de aproveitar o resto do dia pois, na manhã seguinte, seguiríamos para Colónia (Koln).
E fomos saindo. Os rapazes que tinham namorada tiveram que gramar umas idas aos grandes armazéns e a shoppings (já os havia por lá, nesses tempos).
O meu amigo Jacinto (sempre ele) tinha trazido, entretanto, indicação para irmos ver um espectáculo numa casa chamada Bar Europa. Não sabíamos o que era, exactamente, mas as referências indicavam que se tratava de coisa muito adequada a homens,
Ficava numa transversal da Kaiserstrasse (rua do Imperador).
Esta rua larga e comprida nascia exactamente na Estação do Caminho-de-ferro (a que nós nos habituáramos a tratar pelo nome em alemão: bahnhof) e estendia-se à sua frente.
Não sei se já repararam que nas cidades portuárias, as “zonas” mais importantes de sexy-shops, cinemas porno, meretrícios e quejandos, se situam perto dos cais.
Nas cidades de interior, como Frankfurt, essas “zonas” localizam-se preferencialmente junto das estações dos caminhos-de-ferro.
Não é sempre assim, mas é-o a maior parte das vezes.
E lá fomos os dois, em busca da rua da perdição.
Perguntamos a um taxista que nos explicou e percebemos tudo facilmente. Também era perto e bom caminho. Por isso mesmo fomos a pé.
Ainda tínhamos um bom bocado da tarde e a noite para apreciarmos bem as últimas “modas” alemãs.
Os primeiros dois terços da rua eram normalíssimos.
Só na terceira parte (caminhando para a estação) é que começavam a aparecer as lojas, cinemas, bares e similares.
Fomos até ao final (ou início, se quiserem) da rua para fazer o primeiro reconhecimento do terreno.
Depois viemos para trás e começamos a fazer uma prospecção sistematizada das transversais.
Numa delas havia um bar que, por razão que não recordo, nos chamou a atenção. Parámos à sua porta e espreitamos lá para dentro para ver melhor de que tipo era. E um chulote qualquer começou a perguntar-nos, nas línguas respectivas, a nacionalidade: jugoslavos? turcos? espanhóis? brasileiros? e mais duas ou três. Fomos respondendo que não. Finalmente:
- Portugueses?
Respondemos afirmativamente.
E não querem saber que o homem nos mandou para a rua com maus modos?
Parece que alguns compatriotas nossos tinham feito estragos naquele meretrício.
Ainda se podia ver o sol. Continuamos a pesquisa.
A certa altura, noutra das transversais, deparamos com uma porta aberta. Por cima, um letreiro luminoso (embora apagado, no momento) tinha escrito: Paradise. Espreitamos pela porta e só víamos umas escadas que desciam para um piso inferior. O revestimento era todo a mosaico de cor azul clara. O aspecto geral era o de uma instalação nova. Como já estávamos escaldados, resolvemos dar uma olhadela por fora. Mais adiante havia uma porta e escadas semelhantes. Com uma diferença: A primeira dizia Eingang e a segunda Ausgang (entrada e saída, respectivamente).
Resolvemos entrar. Descemos as escadas e deparamo-nos com uma cave com as paredes todas revestidas a mosaico azul celeste e com algumas portas forradas a cabedal.
A área era enorme; talvez uns quarenta metros por vinte, talvez um pouco menos. E, nesse enorme átrio, dezenas de “meninas” em trajos sumaríssimos faziam trottoir. Eram quasi todas jovens e algumas lindas de morrer. Entre as prostitutas, andavam homens a apreciar e apreçar as pequenas. Quando chegavam a acordo, iam para uns quartinhos através das tais portas com couro.
Apreciada esta novidade, subimos e saímos.
Logo adiante, na esquina da rua principal com uma das que lhe eram perpendiculares, mas com entrada pela secundária, apareceu o letreiro: BAR EUROPA.
Era o que procurávamos.
Perguntamos a um velho porteiro se estava aberto. Respondeu que não.
- E quando é possível entrar?
- A partir das nove horas.
- E qual é o preço?
- Um marco – disse o homem.
Olhamos um para o outro. Oito escudos? Só?
- E não é preciso pagar mais nada? – interrogamos o sujeito.
- Sim, claro, o que beberem.
E mostrou-nos um cardápio com os preços que eram bastante baratos.
Entretanto perguntamos se podíamos dar uma espreitadela para o interior.
- Sim! As meninas estão a ensaiar – disse o simpático homem.
E espreitamos. Havia um palco ao fundo e, vestidas com uma espécie de fato de treino todo branco e muito justo, cinco ou seis mulheres ensaiavam colocando-se em posições um tanto heterodoxas.
- Já chega! – disse o guarda.

E terminou esta pequena conversa toda ela em inglês. Este idioma já se perfilava como o mais usado em todo o tipo de negócio em qualquer parte do mundo.
Feito este aparte, podemos dizer que o pouco que vimos aguçou-nos o apetite.
E continuamos o nosso passeio olhando para tudo aquilo com um ar de algum espanto.
A certa altura resolvemos ir ver um filme.
Era sessão contínua. Exibiam vários, uns a seguir aos outros, sem intervalo. O espectador entrava, ia vendo, e quando estivesse farto, saía.
Não demoramos muito tempo. O pedaço de filme que nos apareceu no écran era demasiado mau. Nem porno nem erótico. Uma merda.
Entretanto aproximava-se a hora de comer para depois ir ao show do Bar Europa.
Fizemo-lo tragando um hamburger, com mais cebola que carne e pão juntos, numa lojeca que tinha o balcão à face da rua.
Demos mais uma voltinha e ainda não eram nove horas já estávamos a comprar a entrada para o espectáculo do Europa.
Uma das empregadas vestindo, como as outras, um curtíssimo vestido preto e um avental branco rendado, indicou-nos uma mesa. Pedimos uma cerveja cada um. Vieram dois canecões que dariam para a noite inteira se o conteúdo não ficasse quente e portanto intragável.
E começou o espectáculo!
Eram seis raparigas que executavam vários números porno (não entravam todas no mesmo quadro: umas vezes eram duas, outras três, outras quatro...).
Meu Deus!
Nunca tinha visto daquilo!
Elas exibiam-se total e despudoradamente para uma assistência quasi totalmente masculina.
E quando uma delas resolve pegar numa longa boquilha e tirar umas fumaças vaginais fazendo rodelas de fumo, os espectadores aplaudiram delirantemente e em pé tão notável feito.
Também aparecia, de vez em quando, um artista com aspecto de australopiteco que deveria usar da sua virilidade para ajudar o desempenho das actrizes mas o homem devia andar a trabalhar muito pois a fraca actuação do seu falo deixou o público fulo.
E estivemos naquilo até à uma da manhã.
Mas o gozo maior foi quando contamos a aventura na Kaiserstrasse aos nossos colegas. Alguns decidiram que da próxima iriam comigo e com o Jacinto.
E dois deles foram: em Amsterdam.


publicado por António às 19:33
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